domingo, 13 de outubro de 2013

As Aventuras de Pi: Uma reflexão sobre a fé e as lembranças.

Com esse equivocado título nacional, que utiliza aventura no lugar de vida, As Aventuras de Pi (Life of Pi) é um filme extraordinário, que respeita seu público, dialoga com ele e o conduz em uma jornada de fé e emoção. Acompanhamos a vida do pequeno Piscine Molitor Patel (nome dado em homenagem a uma famosa piscina pública francesa que, posteriormente, será conhecido apenas como Pi), desde sua infância e seus questionamentos religiosos até o naufrágio que definirá sua vida. A história é contada em flashback pelo personagem adulto e o tema de sua sobrevivência ao naufrágio, tendo como companhia um tigre, é o epicentro dessa narrativa, cheia de toques filosóficos e espirituais. Além de promover um encontro tão significativo entre filosofia e fé, aventura e drama intimista, Ang Lee, o diretor, consegue nos colocar dentro do filme, nos fazendo participar ativamente da narrativa, sendo que, ao final, somos nós (na figura do escritor), quem decidimos no que e como acreditar. Trabalhando com um elenco de desconhecidos para o grande público, Ang Lee acerta também na escolha do protagonista, o estreante Suraj Sharma, que faz o jovem Pi no naufrágio, em uma interpretação vigorosa e sincera, principalmente se levarmos em conta que, em sua maioria, ele atuou com o nada, pois as cenas do tigre foram quase todas feitas em CGI (efeitos e imagens gerados através da computação gráfica), assim como os outros animais. Baseado no livro de Yan Martel (que possui uma semelhança imensa com o livro Max e os felinos de Moacyr Scliar, sendo que o próprio Martel reconhece essa semelhança, colocando Scliar nos agradecimentos de seu livro por ter lhe acendido a centelha inicial dessa história), Ang Lee opta por transformar essa viagem metafísica interior em uma poética repleta de imagens inesquecíveis, utilizando todo o poder do cinema e dos efeitos digitais na (des) construção do tempo e do espaço. O filme é uma narrativa sobre o poder da memória, o quanto escolhemos contar e, acima de tudo, como escolhemos contar, pois é através do Pi adulto que “vemos” a sua jornada, da maneira que ele quer que saibamos, filtrada através de suas experiências e decisões. Existe no filme esse embate entre a sensibilidade e a razão, na busca religiosa de Pi que mistura em suas crenças elementos de várias religiões (catolicismo, hinduísmo, judaísmo e crenças muçulmanas) e no pragmatismo empreendido pelo pai. Esse duelo entre forças opostas e complementares guia toda a narrativa, exemplificado no próprio apelido de Pi (letra do alfabeto grego que representa a razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro) e na maneira como Ang Lee conta a sua história: contida e intimista em seu conteúdo, mas esplendorosa em sua forma visual, ressaltada pela vibrante direção de fotografia do chileno Claudio Miranda (colaborador habitual de David Fincher). Repleta de metáforas, a história faz com que cada espectador veja um filme diferente, tirando dele as experiências mais propícias ao seu entendimento, desde que aceite embarcar em uma viagem mágica rumo aos recônditos da imaginação e da memória. Para se assistir de coração aberto.

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